Há na existência e coexistência humana uma inerente complexidade desconcertante. O homem, em seu mundo, vive eternamente em mudança e transformação. Pode parecer até evidente, mas de fato normalmente não é tão perceptível assim como gostaríamos que fosse.
A vida acontece de uma forma em que nada permanece igual, num constante Devir (do latim devenire, chegar), num eterno vir a ser, num tornar-se. Estamos em constante mutação, e de certo “Não há nada permanente, exceto a mudança”, segundo Heráclito de Éfeso (século VI a. C).
No agora essa lógica se faz presente, mas numa magnitude jamais imaginada, mudando drasticamente modos de existência e convivência, do “eu” diante de si mesmo, dos outros, dos grupos, das sociedades. Se nossa tendência natural de proximidade, de interação, de relações sociais, de receber afeto e cuidado, e de garantir a própria sobrevivência está ameaçada, precisamos nos rever, nos reinventar.
Somos constituídos como sujeito numa unidade dentro da totalidade, programados para o convívio, que traz em si desconfortos diante da nossa singularidade. Então, o que pensar de nossa convivência num cenário tão perturbador de isolamento social?
De certo que não há uma resposta simplista para isso, mas arrisco tecer algumas reflexões sobre nosso modo atual de convivência a partir da metáfora “O dilema do porco-espinho” do filósofo alemão Arthur Schopenhaeur (1788-1860):
“Uma sociedade de porcos-espinhos se juntou em um frio dia de inverno e para evitar o congelamento procuram se esquentar mutuamente. Contudo, logo sentiram os espinhos uns dos outros, o que os fez voltarem a se separar. Quando a necessidade de calor os levou a aproximar-se outra vez, se repetiu aquele segundo mal; de modo que oscilaram de um lado para outro entre ambos os sofrimentos até que encontraram uma distância média na qual puderam resistir melhor”. A pandemia impôs novas formas de atingirmos essa “distância segura”, que nos mantém conectados o suficiente, mas longe o necessário para sobrevivermos.
Seria então, mais do que nunca, o mundo virtual uma nova forma de sociabilidade diante do inevitável isolamento social? É possível, face a imposição radical de mudança em nossa forma de existir e coexistir. A tela dos eletrônicos nos mantém on-line, em lives, full time. Nela nos vemos e vemos os outros, mesmo que seja em pequenos quadradinhos. Ela é a sala de aula de todos, pois não abrimos mão de ensinar, nem de ser aprendiz. Reunir amigos para jogar conversa fora, fazer festa, beber e cantar para o outro ouvir. O elo para sentirmos a alegria da chegada de novo membro da família e para rezarmos e nos despedirmos de nossos entes queridos.
As mídias escancararam incessantemente a desigualdade, o preconceito, a indiferença, a morte, para nos tirar da neutralidade e gerar compaixão. Acima de tudo quebramos paradigmas e descobrimos que pode haver calor mesmo numa tela fria, que o nosso desejo de cuidar e ser cuidado humaniza tudo.
O Devir revelou-se ainda mais surpreendente, quando trancou a humanidade em seu próprio mundo, ressignificando até o mundo virtual, como um espaço possível de atender nossas necessidades, de amenizar nossa solidão, colocando o mundo, nem que por alguns instantes, frente a igualdade.
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